Bom, acho que para nós feministas essa pesquisa não foi nenhuma novidade. Quer dizer, eu quando li não me espantei nem dei muita atenção confesso, simplesmente pelo fato de que para mim tudo isso já se sabia: se você acompanha as notícias, conversa com as mulheres, lê sobre o assunto, fica muito claro que essas opiniões reacionárias da sociedade mostradas pela pesquisa ainda são maioria. Mas foi aí que eu bestei: NÃO se sabe, as pessoas NÃO leem sobre o assunto e, sim, muita gente acha que o feminismo é DESNECESSÁRIO e que está tudo de boa na lagoa.
Novidade: não está.
Acho que esse estudo foi um tapa na cara de muita gente que sempre gostou de dar pitaco na roupa alheia - leia-se, das mulheres - no corpo do outro, no comportamento do outro. Gente que acha que falar que uma mulher é vulgar (tem palavra que eu odeio mais?), que ela deve se 'dar ao respeito' (Grrrr), é uma coisa perfeitamente aceitável. Então digo para você que abre a sua boquinha pra falar isso: sim, você faz parte dessa maioria que dá suporte à cultura de estupro que impera na nossa sociedade.
Então, o que me espantou foi a reação das pessoas, que só posso acompanhar pelo facebook obviamente. Aquilo que eu sempre converso discuto na roda de amigos, nas redes sociais, no meio da rua: existe uma cultura de estupro impiedosa com as mulheres, que culpa a vítima pela violência sexual sofrida usando de argumentos tolos como a roupa que estava vestindo, se estava ou não bêbada, seu comportamento, o ambiente que estava etc. Parece que finalmente muita gente acreditou no que andava negando há tanto tempo.
Acho que tem gente que não deve saber: 70% dos estupros são cometidos por conhecidos da vítima. Sim, aquele estupro de filme, mulher andando em rua escura atacada por homem desconhecido, não é o padrão. São companheiros, pais, tios, padrastos, irmãos etc os principais estupradores. Estima-se que, no Brasil, pelo menos 527 mil pessoas são estupradas a cada ano. 89% das vítimas são mulheres. E o dado que pra mim é tão doloroso que eu quero uivar: crianças e adolescentes representam 70% das vítimas. Leia mais aqui.
Agora me diga como, diante disso, ao ouvir a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros", 58,5% dos entrevistados concordam, total ou parcialmente, com o que está sendo dito?
Fonte: Escreva Lola Escreva |
É simples: se você estivesse numa mesa de bar com mais 9 amigxs, 6 delxs iriam de alguma forma argumentar sobre o porquê de uma mulher ser vítima de estupro. Com certeza alguns iriam usar a frase expor-se ao risco para dar suporte à suas opiniões machistas arraigadas. Só DOIS amigxs iriam te apoiar quando você começasse, indignadx, a fazer um discurso contra à cultura de estupro prevalente.
Ahh, mas eu sempre tenho que ouvir que NINGUÉM, em sã consciência, falaria que uma mulher merece ser estuprada. Que isso é coisa de LOUCO. Pois amigx, aqui vai: 65,1% dos entrevistados concordaram, parcial ou totalmente, com a frase "Mulheres que usam roupas que mostrem o corpo merecem ser atacadas". MERECEM gente, olha a palavra, MERECEM. Isso reforça o que a gente sabe: estupro não tem a ver com SEXO, e sim com PODER. A violência é PUNITIVA para aquelas mulheres que ousam quebrar o status quo.
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E aí tem gente que não entende qual o objetivo da Slut Walk/Marcha das Vadias. Que não entende do porquê mostrar nosso corpo é uma forma de protesto. Não entendem que é um jeito de dizer: o corpo é meu e dele posso dispor conforme EU quiser! Gente que diz ah, é um absurdo uma mulher ser culpada por ser estuprada, mas como assim vocês tão mostrando os peitos, tem que se dar ao respeito! Novidade para você: TODO ser humano merece respeito. PONTO. Não existe SE nessa frase. Não é "todo ser humano merece respeito se seguir...". NÃO. Vou repetir porque isso me cansa: VOCÊ ESTÁ ERRADX. Respeitar o outro, independente de qualquer coisa, é uma obrigação de todo ser humano.
Você duvida do que eu estou dizendo? Acho que eu estou exagerando? Faça assim: sente no computador, abra notícias de violência contra a mulher e leia os comentários. Só esteja de estômago vazio porque provavelmente vai te dar vontade de vomitar. Em seguida, vá para o evento 'Eu não mereço ser estuprada', no facebook, e veja a quantidade de comentários machistas, racistas, homofóbicos, transfóbicos, gordofóbicos etc que você vai encontrar. Sim, bem-vindx ao mundo dos olhos que veem.
A pesquisa ainda revela muitas coisas gente, coisas graves que também merecem ser discutidas: 60% dos entrevistados concordam, total ou parcialmente, com a frase "Incomoda ver dois homens, ou duas mulheres, se beijando na boca em público". 50% concordam, total ou parcialmente, com "Casamento de homem com homem ou de mulher com mulher deve ser proibido". Não se está falando tando disso, mas temos que lembrar que as minorias devem se unir, porque todos esses preconceitos simplesmemente andam de mãos dadas e não adianta combater um, sem lutar contra o outro.
Eu realmente não sei das estatísticas de violência contra a mulher na Irlanda, mas queria contar dois episódios que aconteceram enquanto estou aqui.
Episódio 1: esse é o depoimento do meu amigo André, postado em seu facebook.
"Então, acabo de voltar de uma festa por aqui. A festa foi muito foda e tudo mais, mas o meu ponto alto foi: estava eu falando com um amigo, meu flatmate, e ele estava afim de uma guria brasileira, conhecida minha. Eu disse "ela tá bem bêbada, vai que rola algo", sem nem perceber que estava perpetuando essa cultura do estupro tão conhecida nossa. Eis que ele me responde "não acho legal pegar garotas bêbadas, eu quero que ela esteja no momento tanto quanto eu". Pasmo, eu só pude concordar e ficar muito feliz com uma resposta dessas.
Diga-se de passagem, nessa mesma festa onde tinha um grupo de caras só de shorts rosa (e nada mais) e eu não ouvi nenhum comentário sobre isso, tampouco percebi olhares de julgamento em direção a eles. Nessa mesma festa que eu pude dançar do jeito que eu bem quisesse e não vi ninguém me olhando com aquela velha impressão de julgamento. Nessas mesmas festas que, aqui, as meninas vão com short e barriga de fora num frio de 0ºC e ninguém fala que elas são vadias ou que elas querem dar, e elas não tem que se justificar pra ninguém.Minha conclusão: nós, brasileiros, ainda temos um loooongo caminho pela frente.
Não falo isso pra dizer que aqui é melhor só porque "não é Brasil e no no Brasil tudo é uma merda", mas acho valido o aprendizado com outras culturas.
PS: esse meu flatmate nem daqui é, ele é indiano. Então né... a desculpa de que ele é de um país de primeiro mundo também não cola."
Episódio 2: estou aqui no flat e converso com uma moça francesa. Ela de repente me diz - os meninos brasileiros são muito chatos não é? Por que?, eu pergunto. Porque fui para uma festa e um brasileiro quis me beijar e eu disse não. Ele ficou insistindo um tempão. Pergunto se aqui os homens não fazem isso. A resposta: não.
Minha experiência: nas minhas andanças aqui em pubs e boates, eu pude observar que as meninas se vestem com roupas curtas apesar do frio rigoroso. Elas vão super produzidas para as baladas e inclusive para a faculdade (combatendo aqueles discursos de decoro no ambiente de ensino). Sabe quando eu vi um menino agarrando uma menina à força nas festas, do jeito que já vi muito brasileiro fazer? Nunca. Nas duas vezes que homens realmente chegaram em mim numa festa, eles se apresentaram e apertaram minha mão. Ah sim, nada de pegadas na cintura de desconhecidos. Como uma pessoa normal, a pessoa se apresentou. Quando eu disse não, eles foram embora. Quem nunca passou uma festa no Brasil tentando se livrar de um encosto?
Agora quero ver você vir aqui abrir sua boca para dizer "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros".
O outro dia li um comentário muito pertinente no blog da Lola, acho que é um conselho bom para esses homens que dizem que nós mulheres os provocamos com nossa roupa, com nosso comportamento.
"Ouso reverter a pergunta: se o homem não tem controle do que vá distraí-lo, não é melhor que ele fique em casa, num ambiente moderado, enquanto a mulher vá ao mundo trabalhar com novas ideias e tecnologias?"
Dois vídeos legais sobre o assunto:
Se você concorda comigo, que tal aderir à campanha "Eu não mereço ser estuprada"?
E lembro à todos os reaças de plantão: "A nossa luta é todo dia contra o machismo, o racismo e a homofobia".
Bjocas
#eunãomereçoserestuprada
#mexeucomumamexeucomtodas
#sororidade
#vempraluta